sexta-feira, 15 de junho de 2012

Reflexão para o fim de semana: disputa judicial para evitar apreensão de animal traficado está virando moda

Em 4 de maio de 2012, o Fauna News publicou “Reflexão para o fim de semana: a Justiça acertou?”, em que abordava uma decisão da Justiça Federal determinando que a pessoa que mantinha ilegalmente uma arara-canindé em cativeiro continuasse com a posse do animal, apesar de não ter autorização para tal.  O caso começou em 2008 quando, durante fiscalização em Minas Gerais, o Ibama apreendeu a ave, batizada como “Chiquita Ferreira”.

Nesse post, escrevi:

“Tenho certeza que se o Ibama mantivesse uma rede de Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) bem estrutura e funcionando, além de um trabalho significativo de reintrodução na natureza de animais vítimas do tráfico e que eivem em cativeiro, o órgão ambiental federal teria mais argumentos para que a decisão judicial fosse outra.

O juiz “esquentou” a Chiquita Ferreira, até então ilegal com uma família que adquiriu a arara do tráfico. A decisão não foi educativa para essa pessoa.

Mas pode ser educativa para o Ibama, órgão que deveria investir em campanhas e atividades educativas para reduzir a demanda da população por animais silvestres, além de manter uma estrutura eficiente para acolher animais apreendidos e devolvê-los (quando tecnicamente possível) à vida livre.”

O novo caso foi noticiado pelo portal G1, na matéria “Idosa briga na Justiça para ficar com papagaio que foi do filho assassinado”, publicada em 14 de junho de 2012:

“A dona de casa Romilda Justina Franco, de 62 anos, moradora de Goiânia, entrou na Justiça para obter a guarda de um papagaio que há 32 anos faz parte de sua família. Conhecida por Lourinho, a ave pertencia ao filho dela, um policial militar que foi morto dentro do quartel em 2004, aos 29 anos.

Dona Romilda e Lourinho
Foto: Humberta Carvalho/G1

A mulher, que está depressiva desde a morte do filho, teme que a Justiça não conceda a guarda doméstica do animal. “Nas recaídas que tenho, ele é meu medicamento, ele que me tira de lá. Já não basta tanta dor que sofri, mais essa eu não aguento. Ninguém sabe a dimensão da dor”, declara a aposentada.”


O trecho acima é o início da matéria; de uma matéria que já de cara toma posição: a da coitadinha da velhinha.  Não estou ironizado os sentimentos da dona Romilda, mas o tom sentimentaloide do texto.

As informações relevantes e que merecem ser discutidos nesse caso ficaram diluídos em um texto repleto de descrições de cenas de dar dó da velhinha. E, para piorar, a matéria ainda publicou uma informação sem questionar:

“Segundo a dona de casa, Lourinho foi encontrado pelo seu filho, quando o menino tinha seis anos de idade. O papagaio, de acordo com ela, já era adulto e estava na cerca de uma fazenda no município de Aragoiânia, Região Metropolitana de Goiânia. Na época, meados de 1980, não existiam leis que impedissem a criação da ave em casa.”

Em 3 de janeiro de 1967, o então presidente da República, Humberto de Alencar Castelo Branco, promulgou a Lei nº 5.197, a chamada Lei de Proteção à Fauna ou Código de Caça.

Está no artigo 1º dessa Lei:

“Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.”


Lourinho, lá por meados dos anos de 1980, vivia livre
Foto: Humberta Carvalho/G1

Está claro que, embora a legislação da época não impeça a criação de animais silvestres em casa, a captura do papagaio já era crime em meados de 1980. E a repórter que escreveu a matéria, mais uma vez, escolheu um lado.

Para tentar equilibrar as coisas, a repórter entrevistou o coordenador do Centro de Triagem de Animais Silvestres do Ibama de Goiás, o analista ambiental Luiz Alfredo Lopes.

“Mesmo com todos os cuidados, o Ibama se mostra contra a permanência do animal silvestre na casa da aposentada e alega que, mesmo após 32 anos fora do habitat natural, ele pode ser reinserido na natureza. “O posicionamento do Ibama é que, mesmo não tendo condições iniciais de voltar para a natureza, nada se opõe a tentar treiná-lo e reabilitá-lo ou encaminhá-lo para um criador legalizado”, explica o coordenador do Centro de Triagem de Animais silvestres do Ibama de Goiás, o analista ambiental Luiz Alfredo Lopes.

De acordo com Lopes, animais silvestres criados como animais domésticos não têm como se reproduzir e acabam estimulando outras pessoas a criar esse tipo de bicho em casa: “Nessas condições, o animal não traz descendentes e acaba fomentando a cadeia do tráfico de animais silvestres. Mesmo que não tenha sido ela [Romilda] que pegou o animal na natureza, ela acaba fazendo parte da cadeia do tráfico”.


E só foi isso que a repórter escreveu, em uma matéria de 14 parágrafos, para tentar equilibrar um pouco. Mas ela não aguentou e acabou seu melodrama assim:

“Para a aposentada, resta a esperança de que a Justiça dê um parecer favorável e dê a ela a guarda doméstica. “Se ele puder ficar comigo, será uma parte do meu filho que vai voltar para mim, um pouquinho dele que vai ficar aqui. E para mim, essa vai ser a maior justiça feita pela morte dele”, declara Romilda.”

É dessa forma que a imprensa vai cumprir seu papel de informar e ajudar a conscientizar a população dos problemas?

Se a repórter queria polemizar e gerar a reflexão que o caso merece, que o fizesse com competência. E que seus editores a tivessem orientado para tal. O Ibama faz um péssimo trabalho nessa área, que merece ser criticado (releia o post “Reflexão para o fim de semana: a Justiça acertou?”, de 4 de maio de 2012). Mas não assim...

- Leia a matéria completa do portal G1
- Conheça a Lei de Proteção à Fauna
- Releia “Reflexão para o fim de semana: a Justiça acertou?”, de 4 de maio de 2012

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