segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Começar a semana pensando...

...no uso de animais em pesquisas. Veja como as coisas acontecem sem respeito ou ética.

Sem competência para realizar solturas tecnicamente adequadas de animais silvestres apreendidos de traficantes de fauna, acidentados ou resgatados em ambientes urbanos, o poder público há anos institucionalizou o envio para entidades como ONGs e criadouros conservacionistas.  Afinal, o gasto é menor já que não se repassa um centavo sequer para essas instituições – que vivem, rotineiramente, enfrentando imensas dificuldades financeiras.

 Gostaria que você acompanhasse uma suposição...

Suponha que você, amante da causa animal, consegue vencer todas as dificuldades e burocracia e consegue abrir uma instituição para receber bichos do tráfico e até aqueles machucados que estão impossibilitados de retornar para a natureza. Investe seu tempo e dinheiro para reabilitar os que podem voltar à vida livre e dar uma vida confortável e digna aos que terão de permanecer em cativeiro para sempre.

Sagui no Rancho dos Gnomos
Foto: Santuário Ecológico Rancho dos Gnomos

Todo esse investimento está baseado em amor. Sim, amor. Afinal, ninguém vai ter lucro ou ganhar dinheiro sendo honesto nesse ramo.

De repente, você, amante dos animais, recebe o seguinte e-mail:

"Recebemos do Ibama – Susep/SP, a seguinte informação, para ser repassado para conhecimento das instituições no estado de São Paulo:  caso alguém queira destinar saguis para pesquisa, o Criadouro Científico da Unifesp (registrado e em situação regular) está com disponibilidade e interesse em receber, tufo branco, preto ou híbrido. Em geral, eles buscam se for próximo, mas é questão de combinar.

Esclarecemos antecipadamente que trata-se de fins científicos, em universidade de  medicina reconhecida, com projeto de pesquisa aprovado e a devida anuência do Conselho de Ética da Universidade etc."
  – trecho do e-mail enviado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo para várias entidades que cuidam de saguis, publicado na matéria “Unifesp acusada de torturar e sacrificar saguis”, publicada em 7 de setembro pelo jornal Diário de S. Paulo

Uma das entidades que recebeu o e-mail em 31 de julho de 2012 foi o Santuário Rancho dos Gnomos, que solicitou mais informações. Eis a resposta de um representante da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp):

“Trabalhamos num laboratório de neurofisiologia com pesquisas voltadas a doenças neurológicas como epilepsia e Parkinson.  Todos nossos experimentos terminam no sacrifício do animal para análises histológicas. Sei que isso nem sempre é bem aceito pela sociedade, mas trabalhamos em conformidade com órgãos como Ibama, MMA e comitês de ética em pesquisa.” – e-mail publicado pelo Diário de S. Paulo

E agora? Como reagir a isso?

Não vou entrar na discussão sobre a legalidade do pedido e do uso dos animais. Fico, aqui, no campo ético.

O poder público, incompetente em devolver animais apreendidos para a natureza e em apoiar as entidades que cuidam dos chamados “inaptos” (que não têm condições de retornar à vida livre), ainda se presta a solicitar os bichos para pesquisas, para a morte. E o direito a vida desses seres? E todo o amor, trabalho e dinheiro que você, em nossa suposição, investiu no bem estar desses bichos?

É fácil não investir no pós-apreensão e deixar a responsabilidade com a iniciativa privada e com o terceiro setor. É fácil quando for preciso, enviar um e-mail toda a vez que cobaias forem solicitadas.

Difícil, Ibama e secretarias de Estado do meio ambiente que começam agora a fazer a gestão da fauna silvestre, é tratar com o devido respeito a quem deveriam proteger e o trabalho de quem trabalha por vocês.

‘Trecho de carta aberta revela indignação do Projeto Mucky

“Infelizmente a população não conhece os bastidores dos laboratórios de experimentação animal. Muitas vezes os animais são mantidos em condições precárias, submetidos a testes que causam sofrimento com choques, injeções de substâncias tóxicas, queimaduras, lesões na pele, amputações e implantes de objetos, fome, sede, privação de luz, ventilação e higiene, indução de doenças graves, de estresse, entre outros testes. Posteriormente eles são eutanasiados ou sacrificados. Pesquisas e experimentos científicos são fundamentais, mas não justificam a tortura, a crueldade e o sofrimento animal.  Lembramos o que está decretado na Constituição brasileira de 1988:  todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.  Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público  proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”’
– publicada pelo Diário de S. Paulo (o Projeto Mucky, que cuida exclusivamente de pequenos primatas, também recebeu o e-mail)

- Leia a matéria completa do jornal o Diário de S. Paulo

- Conheça a Associação Santuário Ecológico Rancho dos Gnomos
- Conheça o Projeto Mucky

1 comentários:

Mariangela Colombini Braga disse...

A população não sabe também que mantenedouros devem, por força de normativa entregar animais que recebem de particulares, (mesmo que sejam veterinários, VEJAM VETERINÁRIO, a emitir laudo de inaptidão e necessidade de abrigo) ao IBAMA para ele destinar. Isso é muito importante!
Mesmo que se diga para entregar a um CETAS. Um CETAS está também submetido a destinações decididas pelo IBAMA.
Ouvimos desde 2011 alguns diretores de CETAS afirmando que não estavam conseguindo guias de destino junto ao IBAMA de saguis para mantenedores, santuários.
E ainda, quando na matéria da Folha de SP o IBAMA diz que tem dificuldade em encaminhar saguis para mantenedor, vocês jornalistas bem que podiam investigar o por que. Pode até haver dificuldade, mas esta é criada pelo próprio sistema, isso sim!
Nós por exemplo lutamos até chegar o ponto judicial por manter aqui no mantenedouro saguis que seriam destinados pelo IBAMA a pedido de um analista dentro do setor de fauna. Isso não quer dizer que o setor todo ou o responsável pelo setor tivesse participação nisso. Não podemos tomar o todo por um, mas temos o dever de avaliar como procede esse todo como conjunto.
E frisar bem: existem os mantenedores para que em parceria se destine fauna inapta e não para serem fiscalizados como traficantes etc. Aliás, se o IBAMA se ocupasse em fiscalizar infratores, nós os mantenedores, seríamos menos atuantes o que é muito bom a se considerar.
E lembrar: fiscalizar infrator pede sair do escritório, do conforto do ar condicionado para alguns. E como não podemos avaliar o todo por um, para outros significa falta de verba, apoio do governo para operacionalizar fiscalização. E no que nos atingiu esses anos, é mais cômodo fiscalizar papel que está na mesa, processo, pedido de licença, porque está ali, na mesa. Mesmo que desapercebidamente acabe não considerando decisão de colegas, chefia, companheiros de setor, acabando por colocá-los como infratores e os acusar de prevaricar. Tudo por uma falta de administração competente de proteção à fauna.
Acho que esse deveria ser o resumo dos fatos.
Aliás, não foi assim que o jornalista dessa matéria aqui no blog brilhantemente iniciou?