segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Macaco Chico: vítima do poder público ausente e do amor torto por animais

A apreensão pela Polícia Militar Ambiental do macaco-prego-amarelo (Sapajus libidinosus) Chico, em São Carlos (SP), tem motivado reações diversas. O elemento gerador de polêmica é o fato de o animal ter vivido por 37 anos com uma família. Foram quase quatro décadas de cativeiro ilegal, sendo tratado como bicho de estimação.

“O macaco-prego Chico, que há 37 anos vivia com uma família de São Carlos (SP), foi retirado do local, na manhã deste sábado (3), pela Polícia Militar Ambiental após denúncia. O animal se agarrou ao pescoço da dona e ofereceu resistência ao ser levado da casa. Elizete Farias Carmona, de 71 anos, que o tratava como filho, passou mal e teve que ser levada ao pronto-socorro.” – texto da matéria “Após 37 anos, macaco tratado como filho é tirado da família em São Carlos”, publicada em 3 de agosto de 2013 pelo portal G1

 Chico e dona Elizete: uma história de 37 anos recheada de erros
Foto: Fabio Rodrigues/G1

A grande vítima dessa história toda é Chico. Sua existência sempre será marcada por dois grandes momentos de sofrimento. O primeiro quando foi caçado para virar objeto ou mercadoria:

“A dona de casa (Elizete – explicação Fauna News) contou que Chico chegou ao bairro por meio de um caminhoneiro vindo de Mato Grosso. Ela frequentava a casa da família (do caminhoneiro – explicação Fauna News) devido à amizade que mantinha com a mulher e com os filhos.

"O Chico foi acostumando comigo e quando eu vinha embora ele vinha atrás de mim. O macaco era bravo com eles, mas comigo não. Um dia ele quis morder uma das crianças e o pai queria matar o macaco. A mulher interveio e como ele gostava de mim, acabou me dando. Eu comecei a cuidar. Ele nunca me mordeu, mas tem dias que ele está de mau humor e nem olha na minha cara", relatou Elizete.”
– texto da matéria “Dona de casa de São Carlos, SP, trata macaco-prego como filho há 37 anos”, publicada em 23 de fevereiro de 2013 pelo portal G1

Chico foi capturado na mata e pode ter sido vendido para o caminhoneiro. O macaco acabou traficado, passou medo e sabe-se lá o que enfrentou até chegar à casa de dona Elizete. Ele perdeu a liberdade e a natureza perdeu com a sua ausência, já que o animal deixou de cumprir suas funções ecológicas no ecossistema onde nasceu.

O segundo momento, lógico, foi na recente apreensão, com a retirada forçada do primatal de seu ambiente conhecido. Afinal, depois de 37 anos, o macaco-prego-amarelo havia se transformado no Chico, uma caricatura de animal silvestre:
Foto: Fabio Rodrigues/G1
“Chico vive em uma árvore no quintal da casa. Segundo a família, falta dinheiro para cercar todo o espaço com uma tela, por isso o macaco fica preso a uma corrente apenas para não fugir. Quando escapa, fica pelas redondezas e depois volta.

“Se deixar solto, a gente tem medo que ele suba no fio de alta tensão ou entre em alguma casa e veja o reflexo dele no espelho e pense que é outro macaco. Uma vez aconteceu isso no armário da cozinha e ele quebrou alguns pratos”, disse o soldador Ernani Furlan, de 46 anos, filho mais velho de dona Elizete.

Ernani considera o macaquinho como um irmão e até divide o seu espaço com o bicho. Quando chove, Chico fica no quarto do soldador onde passa a noite. Ele mesmo se cobre e dorme cedo, por volta das 20h. Mas não sem antes tomar um copo de leite fervido com açúcar, rotina que repete três vezes ao dia.”
– texto da matéria “Dona de casa de São Carlos, SP, trata macaco-prego como filho há 37 anos”, publicada em 23 de fevereiro de 2013 pelo portal G1

O poder público é o grande vilão por esse tipo de situação.

Não fiscalizou direito e o macaco acabou traficado.

Não investiu em educação ambiental e pessoas o adquiriram e o criaram como Chico, o bichinho de estimação.

Não retiraram o macaco da família quando, há 20 anos, a fiscalização se deparou com o ocorrido e optou por “tapar o sol com a peneira”, da mesma forma que está sendo feito hoje com a aprovação da Resolução 457 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Veja:

“Dona Elizete contou que há mais de 20 anos recebeu fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e soldados da Polícia Ambiental em casa devido a uma denúncia. “Eles entraram e viram as condições e como o Chico é tratado. Até minha vizinha interveio e disse que se levassem o macaco eu morreria porque ele é como um filho. Desde então recebi autorização", contou.

Chico foi transformado em uma caricatura de animal silvestre
Foto: Fabio Rodrigues/G1

Segundo o Ibama, não há como legalizar a situação. Quando há uma denúncia, os fiscais vão ao local, aplicam multa, apreendem o bicho e o levam para alguma instituição. Caso não exista um local para receber o animal e não for constatada nenhuma irregularidade no local em que ele já estava vivendo, é feito um Termo de Fiel Depositário. Com esse documento, a pessoa não pode ser multada novamente. A autorização, entretanto, pode ser cassada a qualquer momento e o animal retirado do ambiente.”
– texto da matéria “Dona de casa de São Carlos, SP, trata macaco-prego como filho há 37 anos”, publicada em 23 de fevereiro de 2013 pelo portal G1

Muita gente tem condenado a Polícia Militar Ambiental pela apreensão de Chico, considerando o ato cruel. Afinal, o animal enfrentará novamente o medo do desconhecido e, já com idade avançada, terá de se readaptar a uma nova realidade (ambiente, pessoas, dieta, etc.) na Associação Protetora de Animais Silvestres (APASS), em Assis (SP). A situação motivou a criação de um abaixo-assinado na internet (site Petição Pública), solicitando a devolução do macaco à dona Elizete.

O poder público, quando erra e negligencia, tem sim de ser cobrado pela sociedade. Mas o Estado não pode ser criticado por, no momento em que constatou seu erro, resolver agir. Se Chico ficasse com dona Elizete estaria aberto o precendente para todos os que mantêm animal silvestre em cativeiro ilegal exigir o mesmo tratamento.

Essas pessoas têm de saber que estão erradas e que o hábito de criar animal silvestre como bicho de estimação não é sinônimo de amor à natureza ou aos bichos. Tal cultura é responsável por retirar, apenas no Brasil, 38 milhões de animais silvestres da natureza todos os anos (estimativa de 2001 da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, a Renctas). Isso sem contar peixes e invertebrados.

Esses bichos sofrem e, mais do que isso, deixam de cumprir seu papel na natureza (disseminar sementes, controlar a população de outras espécies, servir de alimento para ouras espécies, etc.) e expõe a população a mais de 180 doenças (zoonoses).

Imprensa
Que as pessoas, quando envolvidas sentimentalmente com o animal ou desinformadas, reajam mal e emotivamente à apreensão de Chico é compreensível. O que não dá para compreender é a imprensa fazer esse papel.

As duas matérias do G1 (“Dona de casa de São Carlos, SP, trata macaco-prego como filho há 37 anos”, publicada em 23 de fevereiro de 2013, e matéria “Após 37 anos, macaco tratado como filho é tirado da família em São Carlos”, de 3 de agosto de 2013) tratam o caso de Chico com o mesmo sentimentalismo de dona Elizete.

Apenas um exemplo da falta de informação do G1:

“Sombra e água fresca
Chico vive em uma árvore no quintal da casa. Segundo a família, falta dinheiro para cercar todo o espaço com uma tela, por isso o macaco fica preso a uma corrente apenas para não fugir. Quando escapa, fica pelas redondezas e depois volta.”
– texto da matéria “Dona de casa de São Carlos, SP, trata macaco-prego como filho há 37 anos”, publicada em 23 de fevereiro de 2013

O fato de o macaco viver acorrentado não pareceu um problema para o veículo jornalístico. Afinal, a corrente estava no pescoço do animal APENAS para evitar sua fuga.

A abordagem do G1 foi infeliz. Em nenhum momento o veículo abordou o problema do tráfico de fauna, não entrevistando sequer algum especialista no assunto.

Chico é o extremo do poder público ausente, de uma cultura antropocêntrica que considera o cativeiro correto e até uma forma de amor e da exploração sentimentaloide da imprensa (não surpreenderia se a Polícia Militar Ambiental tivesse se sentido pressionada e resolvido apreender o macaco após a publicação da primeira matéria sobre o animal, que tratou o caso simplesmente como algo curioso).

- Leia a matéria matéria “Dona de casa de São Carlos, SP, trata macaco-prego como filho há 37 anos”, publicada em 23 de fevereiro de 2013
- Leia a matéria “Após 37 anos, macaco tratado como filho é tirado da família em São Carlos”, publicada em 3 de agosto de 2013 pelo portal G1

12 comentários:

Patrícia Orosco disse...

uauuu!!
Arrasou!!

Patricia disse...

Finalmente um texto sensato sobre essa triste situação.

luiz pires disse...

PARABÉNS DIMAS, o texto esta excelente. A foto dele mantido preso pela corrente no pescoço mostra como Ela cuidava dele como um filho (sic). Gostaria de ver uma foto dele com a família á 30 anos atrás (duvido que tenha). Estes posicionamentos favoráveis a quem cometeu o crime de manter em cativeiro sem autorização, já é reflexo da resolução CONAMA.

luiz pires disse...

PARABÉNS DIMAS, o texto esta excelente. A foto dele mantido preso pela corrente no pescoço mostra como Ela cuidava dele como um filho (sic). Gostaria de ver uma foto dele com a família á 30 anos atrás (duvido que tenha). Estes posicionamentos favoráveis a quem cometeu o crime de manter em cativeiro sem autorização, já é reflexo da resolução CONAMA.

luiz pires disse...

PARABÉNS DIMAS, o texto esta excelente. A foto dele mantido preso pela corrente no pescoço mostra como Ela cuidava dele como um filho (sic). Gostaria de ver uma foto dele com a família á 30 anos atrás (duvido que tenha). Estes posicionamentos favoráveis a quem cometeu o crime de manter em cativeiro sem autorização, já é reflexo da resolução CONAMA.

luiz pires disse...

PARABÉNS DIMAS, o texto esta excelente. A foto dele mantido preso pela corrente no pescoço mostra como Ela cuidava dele como um filho (sic). Gostaria de ver uma foto dele com a família á 30 anos atrás (duvido que tenha). Estes posicionamentos favoráveis a quem cometeu o crime de manter em cativeiro sem autorização, já é reflexo da resolução CONAMA.

Sadan e Marcela disse...

Assinei a petição de boa fé ...depois que soube melhor dos fatos, senti-me enganado.

Parabéns pela matéria

Maria disse...

AGORA FIQUEI SABENDO QUE ERA UMA MACAQUINHA QUE VIVIA ACORRENTADA E QUE DESTRUIU A COLEIRA ASSIM QUE SE VIU LIVRE DELA. A BICHINHA TINHA ATROFIA E NÃO ERA TRATADA COMO FILHA PORQUE NINGUÉM ACORRENTA UM FILHO. GRAÇAS A DEUS AGORA ELA VAI PODER RESPIRAR E VIVER O RESTINHO DA SUA VIDA EM PAZ. QUEM AMA NÃO ACORRENTA. ESTOU FELIZ E PARABENIZO O IBAMA.

neusa disse...

Esse macaquinho de ir para um santuário onde poderá conviver com outros de sua espécie e receber alimentação saudável. Chega de corrente no pescoço e ficar ao relento sozinho.

rosa elisa villanueva disse...

Trata como filho e mantem uma corrente no pescoço do coitado??????

Anônimo disse...

Até que enfim um texto coerente mostrando o aprisionamento de um animal que não tem direito de escolha. Família irracional que pensa apenas no seu ego se esquecendo que os animais tem sentimento e sofrem.......... Parabéns Dimas e que a verdade prevaleça doa a quem doer.........Silmara C. Almeida

Anônimo disse...

quem sabe agora ele conheça uma macaquinha e seja mais feliz :´)