segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Chico morreu: a história do primata que merece reflexão

Chico, macaco-prego que por 38 anos foi criado por uma família em São Carlos (SP) e ganhou fama por causa da polêmica envolvendo sua apreensão pela Polícia Militar Ambiental, morreu dia 7, sexta-feira. A causa da morte ainda não está definida.

“'Perdi um filho'. Essa é a frase que resume o sentimento de tristeza da aposentada Elizete Farias Carmona, de 71 anos, depois da morte do macaco-prego Chico na tarde desta sexta-feira (7), a caminho do veterinário, em São Carlos (SP). A relação de 38 anos, considerada de mãe e filho, ficou conhecida em todo país e gerou repercussão internacional quando ele foi retirado da dona pela Polícia Militar Ambiental, após uma denúncia. Eles ficaram separados durante 16 dias e uma liminar da Justiça obrigou o retorno do animal para Elizete, que adequou a casa para continuar com ele.

Chico, no colo de Elizete: carinho, coleira e corrente
Foto: Fabio Rodrigues

Ainda inconsolável, a aposentada recebeu a reportagem do G1 na calçada em frente à sua casa. De acordo Elizete, Chico ficou doente há dois dias e foi levado ao veterinário na quinta-feira (6). "Estava bem e ficou meio desanimado e amuado", disse. Na manhã desta sexta, ela levou ao retorno e ele foi medicado. "Ele pediu para voltar 17h30. No caminho, ele olhou para mim e deu um suspiro. Ele morreu no meu peito", disse emocionada.” – texto da matéria “Macaco-prego Chico morre aos 38 anos: 'perdi um filho', lamenta a dona, publicada em 7 de fevereiro de 2014 pelo portal G1

Vida no cativeiro

A polêmica causada pela apreensão de Chico chamou a atenção para o costume de criar silvestres como bichos de estimação. O animal vivia sob os cuidados da aposentada Elizete Farias Carmona, de 71 anos. “Um caminhoneiro que era meu vizinho trouxe o Chico do Mato Grosso. Ele sempre trazia macacos”, conta a aposentada, que frequentava a casa desse motorista por ser amiga da esposa dele.

De acordo com Elizete, Chico não tinha nome e ficava horas dentro de uma pequena caixa. “Ele era judiado. Minha vizinha tinha medo por causa das crianças”, lembra. “Quando eu ia lá jogar baralho, ele ficava no meu colo todo feliz. Um dia, ela me perguntou seu eu queria ficar com ele. Eu não sabia que precisava de autorização e trouxe o Chico”, disse a aposentada.

Mas manter animais silvestres em cativeiro sem autorização do órgão ambiental é crime. Está no artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais, com pena prevista de multa e, em caso de condenação, entre seis meses e um ano de prisão. Chico estava em situação irregular e, após uma denúncia, uma equipe da Polícia Militar Ambiental esteve na casa de Elizete em 15 de fevereiro de 2008. A macaca só não foi apreendida pelo fato de não ser de espécie ameaçada de extinção, não apresentar sinais de maus tratos e, segundo a PM, porque não fora localizada uma instituição autorizada para abrigar o animal perto de São Carlos.

Chico, antes da apreendão
Foto: Fabio Rodrigues

Elizete tornou-se fiel depositária de Chico, o que é permitido de acordo com critérios da Resolução 384 de 2006, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que estava vigeu até dezembro, quando entrou em vigor a Resolução 457. Equipes da PM Ambiental estiveram na casa da aposentada para verificar o estado da macaca em 24 de novembro de 2011 e em 7 de março de 2013. Com a qualificação e, 2013 da Associação Protetora de Animais Silvestres (APASS), de Assis, como centro de reabilitação de animais silvestres pelos governos federal e estadual, ficou resolvido o problema da falta de local apropriado e policiais efetuaram a apreensão na manhã de 3 de agosto.

A retirada de Chico de Elizete causou enorme polêmica. O amor de um ser humano por animais silvestres e a dor da separação passaram a ser discutidos. Dois abaixo-assinados virtuais e uma página no Facebook foram criados em favor da devolução da macaca para a aposentada e inúmeras matérias jornalísticas sobre o caso foram produzidas, inclusive pela BBC, pela agência Associated Press e pelo Fantástico, da TV Globo.

O sofrimento de Chico causado pela separação da humana que o criou e por sua retirada do ambiente onde viveu por décadas foi um dos principais argumentos daqueles favoráveis à sua devolução a Elizete, que passou mal no dia da apreensão.

O então advogado de Elizete, Flávio Lazzarotto, solicitou à Justiça, por meio de pedido de liminar, a guarda provisória de Chico para a aposentada. Em 13 de agosto, a juíza Gabriela Müller Carioba Attanasio, da Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Carlos, decidiu em favor da solicitação.

“A principal alegação utilizada foi o fato de o animal estar totalmente domesticado e não sobreviveria ou sofreria muito fora do ambiente em que foi criado”, explicou. Ele ainda usou como argumentos “a idade de Chico, que tem por volta de 37 anos e possui uma expectativa de vida de 40, as boas condições de manutenção do animal, e ainda a circunstância temporal dos fatos, ou seja, na época em que Elizete recebeu o macaco não faziam parte da cultura nacional as preocupações, que hoje existem, em relação à proteção ao meio ambiente e aos animais.”

Na APASS foi constatado que o macaco estava com três quilos abaixo do peso ideal, tinha as pernas e o quadril atrofiados por causa da pouca movimentação permitida pela corrente de um metro a que ficava presa e estava com marcas no pescoço por causa de uma coleira. Em Assis, ela ocupou um grande viveiro, ao lado de outros de sua espécie, e se alimentando adequadamente. Por falta de informação, Elizete dava para o animal, além dos corretos legumes e frutas, arroz, leite com açúcar e até iogurte.

Às 23h30 de 19 de agosto, cumprindo a decisão judicial, o macaco voltou para os braços de Elizete. “Parece um sonho que eu estou com ele aqui”, desabafou a aposentada logo que pegou o animal no colo. Chico passou a ter acompanhamento veterinário e de uma bióloga, que elaboraram uma dieta adequada e deram instruções para a construção de um viveiro.

Chico voltando para Elizete
Foto: Fabio Rodrigues

Polêmica: apreender ou não
A possibilidade de ocorrer danos à saúde das pessoas e dos animais envolvidos em casos como o de Chico é real. De acordo com a veterinária Maria de Fátima Martins, “no caso de um longo convívio com um animal silvestre, como entre a senhora de São Carlos e o macaco-prego, dado a capacidade do animal ter senciência, o mais indicado seria ele permanecer junto ao ambiente que lhe é familiar, pois a alteração da situação pode acarretar solidão, estereotipias diversas, culminando com a morte. Porém, cada caso é um caso”. Professora no campus de Pirassununga da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), ela desenvolve pesquisas sobre a interação homem-animal e bem estar animal.

Veterinária e doutora em psicologia (de humanos), Hannelore Fuchs é uma especialista em cognição animal e na relação dos bichos com os seres humanos. Ela concorda com Maria de Fátima sobre a consequência da separação para o bicho que viveu muito tempo em cativeiro doméstico. “O ser humano torna-se seu companheiro, uma figura de referência, afinal o animal pouco socializou com os de sua espécie. A primeira passagem para o novo ambiente, quando há a apreensão, quebra uma rotina e muda as expectativas, gerando estresse intenso e alterando sua homeostase (equilíbrio)”, explica Hannelore.

Por outro lado, muitos ambientalistas são contra a permissão (guarda provisória) de o bicho ficar com quem foi flagrado criando o animal silvestre sem autorização. “Na maioria das vezes as pessoas não conseguem ter uma dimensão real do problema. Acham que só existe aquele caso, o que na realidade não é. São muitos os animais mantidos nessa situação. Se você for conivente com uma pessoa, terá que ser com todas, o que seria absurdo”, afirma o coordenador-geral da ONG Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), Dener Giovanini.

Para Giovanini, o correto é punir o infrator, retirar o animal e, assim, desestimular que casos parecidos continuem acontecendo. “Não se combate um crime, seja ele qual for, com base em sentimentos. O correto é sempre a lei.” O ambientalista considera que manter o animal traficado junto de quem cometeu a infração transforma a fiscalização numa espécie de gincana, com aquele que consegue vencer as barreiras fiscalizatórias ganhando como prêmio o direito de ficar com o produto do crime.

Opinião Fauna News

A história desse primata e dessa família tem de servir de exemplo sobre os danos do hábito de manter silvestres em cativeiro e do tráfico de fauna. Para seu ecossistema, o animal morreu há 38 anos quando o transformaram em Chico. Ele não cumpriu suas funções ecológicas, na predou ou foi predado, não reproduziu, etc. A morte dele deixa dor na família, essa sim dependente do macaco. Chico ainda teve a oportunidade, ao ser apreendido, de deixar de ser Chico e voltar a ser macaco, vivendo entre os seus e se alimentando como um animal.

Mas a Justiça resolveu pensar no bem estar de uma família e concedeu a ela a guarda do macaco, reforçando para a sociedade a possibilidade de ter legalmente um silvestre como pet. A vida desse animal merece reflexão.

Se o poder público tivesse uma rede de Centros de Triagem de Animais Silvestres e de áreas de soltura bem estruturada, com programas de recuperação dos bichos apreendidos e a burocracia funcionando para dar agilidade às solturas, a Justiça cada vez menos aceitaria argumentos favoráveis à manutenção dos animais com humanos. Os juízes, conhecendo uma infraestrutura adequada de recuperação, soltura e destinação aos que permanecerão em cativeiro, teriam a chance de aplicar melhor a legislação.

A ineficiência da União, dos Estados e dos Municípios, aliada à falta de informação dos juízes sobre a possibilidade de recuperação dos silvestres, dá espaço para a Justiça tomar decisões com as que envolveu Chico.

As apreensões têm de continuar a ser feitas. E os órgãos de fiscalização têm de continuar a lutar na Justiça quando os pretensos "donos" tentarem a guarda do animal.

- Leia a matéria completa do portal G1