segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Rebio Poço das Antas (RJ): "O dia seguinte e a contagem dos mortos"

O texto abaixo foi escrito pelo secretário executivo da Associação Mico Leão Dourado, Luis Paulo Ferraz, após o incêndio que consumiu em 7 e 8 de fevereiro de 2014 parte da Reserva Biológica Poço das Antas, no Rio de Janeiro. A infraestrutura (ou falta dela) dessa importante unidade de conservação escancara o quanto o poder público leva a sério a questão ambiental.

Para quem gosta de debater a política ambiental brasileira, se é que atualmente temos uma, o exposto por Ferraz tem de ser lido.

O Fauna News concorda com cada linha escrita.


O dia seguinte e a contagem dos mortos
por Luis Paulo Ferraz
O incêndio que queimou 1000 hectares da Reserva não pode ser apenas mais um na estatística. É um caso grave que expõe a enorme fragilidade de nossa ainda precária estrutura para a conservação da natureza no Brasil.

Hoje a equipe da Associação Mico-Leão-Dourado foi a campo documentar o “dia seguinte” do incêndio. E voltou arrasada com o que viu. Lamentamos ter que publicar estas fotos... Mas essas mortes precisam servir para algo.

Preguiça-de-coleira: espécie em extinção que deveria estar protegida na Reserva. Mas a "ausência" do poder público...
Foto: Divulgação AMLD

Poço das Antas é a primeira Reserva Biológica do Brasil. Habitat do Mico-Leão-Dourado, da preguiça de coleira e de outras espécies importantes da fauna e flora da Mata Atlântica. Tem valor histórico e simbólico na luta conservacionista. É sede de um dos mais importantes trabalhos integrados para salvar uma espécie da extinção, o Mico-Leão-Dourado, candidato a Mascote Olímpico.

O Brasil é uma potência mundial em biodiversidade. Um país atualmente com destacada visibilidade, seja pelos grandes eventos esportivos, seja pela vitalidade de sua economia e suas contradições sociais. O Rio de Janeiro é a grande vitrine do Brasil. Um incêndio na sua reserva mais simbólica não pode ser justificado pelos burocratas apenas como mais uma fatalidade causada pelo calor ou por um agricultor desavisado.

Sábado, 08 de fevereiro. No segundo e decisivo dia do incêndio, o chefe da Reserva mobilizou de forma competente para o combate um grupo de voluntários. Cerca de 25 homens, alguns funcionários de instituições parceiras, amigos, ex servidores... A Reserva Biológica de Poço das Antas não tem brigada de incêndio nesta época do ano por falta de recursos. É evidente que normalmente costuma chover mais no verão. Mas não é o primeiro verão que a reserva tem esse mesmo problema.

O Instituto Chico Mendes, ICMBio, que administra as unidades de conservação federais está com dificuldades orçamentárias profundas. Na hora “H” não havia brigada de incêndio nem esquema de emergência. O telefone da Rebio estava cortado há dois meses e foi usado o da AMLD. O órgão estadual alegou dificuldades em outros parques. O chefe da Reserva fez muito mais do que poderia, diante de tanta precariedade. Os bombeiros apareceram 48 horas depois. Não havia condições materiais nem treinamento para aqueles homens.

Fogo consumindo parte da Reserva Biológica
Foto: Divulgação AMLD

Alguns deles urinaram nos dormentes do trem para aproveitar a “água”. Isso não é piada. Vi gente usando o próprio cantil para apagar o fogo. A luta era enorme para proteger florestas e as áreas em processo de restauração florestal. 50 mil mudas foram plantadas ali no último ano.

Não é possível que as imagens de corpos de capivaras, preguiças, quatis e tantas árvores queimadas sejam rapidamente esquecidas por todos nós, na velocidade da internet. Não é possível ver tantas autoridades circulando em veículos oficiais, desfilando de helicóptero, nossos colegas técnicos realizando tantas reuniões importantíssimas mundo afora, mas que não sejamos capazes de apagar com o mínimo de profissionalismo um incêndio previsível.

Vimos outro dia o ex-Secretário de Meio Ambiente deixar seu cargo orgulhoso de um chamado desmatamento zero no Estado do Rio de Janeiro. Cansa escutar tantas frases espetaculares, números superdimensionados, diante da incapacidade de organização para o mínimo necessário.

Nós, que gostamos ou atuamos com os temas ambientais, temos que ter a consciência de que estamos perdendo muitas batalhas e refletir seriamente sobre isso. A sociedade brasileira, que demonstra tanta sensibilidade ao ver um animal maltratado, precisa entender também que o nosso modelo desenvolvimento a qualquer custo está fora de moda. E que proteger o que resta da nossa biodiversidade não é problema de ambientalista.

0 comentários: