O ecólogo Mario Cobucci Neto concluiu sua especialização em Gerenciamento Ambiental na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq-USP) abordando em sua monografia o tráfico de animais silvestres. Em sua monografia de 2011, intitulada “Tráfico de animais silvestres: espécies apreendidas e destinações no Estado de São Paulo”, ele analisa a forma como a gestão de fauna trabalha a destinação dos espécimes e afirma “que não há possibilidades de conservação das espécies silvestres resgatadas do tráfico de animais.”
A conclusão é forte e motivou o
Fauna News a entrevistar Cobucci Neto.
Fauna News - O que te motivou a pesquisar sobre o destino da fauna vítima do tráfico no Estado de São Paulo? Esse não é o seu primeiro trabalho sobre o assunto, correto?
Cobucci Neto - Antes de tudo eu queria comentar como começaram esses estudos. Na faculdade de Ecologia, na Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI), em Santa Catarina, eu queria estudar a fauna silvestre, mas não especificamente uma única espécie. Recebi então uma sugestão de uma professora de outra universidade para estudar o comercio ilegal de animais na região e, assim, foi possível conciliar o que eu queria estudar e o que era necessário a estudar para defender a biodiversidade.
Minha pesquisa sobre o destino da fauna foi consequência do meu trabalho de conclusão de curso na faculdade. Naquela época, 2006 e 2007, eu coletei dados sobre as espécies da fauna apreendidas na região e os destinos dos animais, que não pareciam muito corretos e deixavam a desejar. Havia centros de reabilitação de animais superlotados, um zoológico em andamento de abertura (atualmente foi fechado) que recebiam animais e, em grande quantidade, muitos animais eram entregues para fiéis depositários (uma pessoa física com autorização para cuidar dos animais, mas que não pode comercializá-los). Isso gerou um entrave, afinal para onde os animais estavam sendo destinados para a conservação de suas espécies? Isto era prioridade? O que os responsáveis estavam fazendo?
No trabalho de pós-graduação, na Esalq-USP, foi possível ter respostas mais sólidas, apesar de ter sido realizado em outra região. Coletei dados sobre, para onde os animais estavam indo após apreensão e os analisei. E a conclusão foi que, em grande maioria, os destinos não colaboram para a conservação das espécies e sim para criar um individuo preso sem planejamento ou intenção de conservação.
Fauna News - Como foi realizada a pesquisa? Quais as dificuldades encontradas para a obtenção dos dados?
Cobucci Neto - A pesquisa foi realizada através de estudos bibliográficos e saídas a campo, dentro do cronograma proposto de um ano e quatro meses. Para a coleta de dados foi feito um questionário padrão com perguntas sobre espécies apreendidas e destinações, além de um ofício solicitando o preenchimento. A entrega de todos os questionários foi protocolada. A espera para as respostas foi de dois meses.
A maior dificuldade é que alguns questionários não foram respondidos, mas todas as justificativas foram mencionadas no trabalho. A maioria foi por falta de dados ou de órgãos que alegavam não ter dados e atribuíam a resposta a outros.
Posso citar algumas possibilidades da falta de respostas por falta de dados, por questão estratégica dos órgãos em não divulgar as informações e por falta de responsabilidade e não dar prioridade ao tema. Porém, já era esperado na estratégia do trabalho o fato de não conseguir as respostas em sua totalidade. Nesse contexto, muitos dados que poderiam ser coletados deixaram de ser analisados na pesquisa.
Fauna News - Quais os dados que mais chamam a atenção?
Cobucci Neto - A quantidade de animais apreendidos no Estado de São Paulo chama muita atenção. No entanto, os destinos são preocupantes. Depois de resgatados do comércio ilegal, os animais tem um destino incerto, bem como a conservação da espécie, porque, por exemplo, muitos são destinados para depositários fiéis, outros ficam com os próprios infratores por não ter locais de destino, são encaminhados há criadouros, ou para centros de triagem e reabilitação, que geralmente estão superlotados. Com isso, infelizmente a conservação dos animais no hábitat não está acontecendo como deveria.
Mas uma grande questão é a falta de lugares adequados para os animais, porque se houvesse uma maneira de gerenciar a fauna para os animais serem dirigidos para lugares corretos, com estudos de hábitats para soltura nas áreas de ocorrência, com etapas interligadas que atendessem a demanda, com certeza não haveria espaço para abastecer o comércio ilegal depois de apreendidos.
O que carece são bons centros para atender os animais. Lógico que esse impacto negativo na fauna silvestre poderia acabar ou ser minimizado com um combate efetivo e educação ambiental.
A situação atual é que São Paulo recebe espécimes da fauna de todo o Brasil, que são cuidados e geram um ônus financeiro para o Estado. O Estado também não dá conta de cuidar adequadamente dos animais, apesar de ter centros excelentes, já que há um crescimento anual de animais aprendidos, aliado a uma limitação técnica, estrutural e financeira. Todos os Estados do Brasil deveriam reter os animais em suas áreas de abrangência antes de deixá-los atravessar as divisas e as fronteiras com outros países.
Fauna News- Por que não há a possibilidade de conservação das espécies resgatadas do tráfico de animais?
Cobucci Neto - Primeiramente porque não há prioridade para a conservação da fauna. O que vale é o valor econômico do animal ou de suas partes, além de ainda haver a concepção de criar animais em cativeiros e gaiolas para abastecer um “ego”, o que representa uma educação ambiental inadequada que mantém comportamentos anticonservacionistas ou um comportamento “ignorante” e que impacta negativamente a fauna silvestre brasileira. São os animais que “fazem” a floresta se manter e funcionar. Eles sobrevivem em uma grande teia, onde cada indivíduo depende de outros indivíduos.
Fauna News - O que está impedindo um maior número de solturas?
Cobucci Neto - Para ecólogos e conservacionistas, a soltura com certeza é um momento único e muito motivante. Porém, é uma fase seriíssima, com muitos critérios técnicos a serem abordados e seguida de monitoramento. O animal não deve estar debilitado fisicamente, exausto, desidratado, machucado. Tem de ser introduzido na área de ocorrência para não se tornar uma espécie invasora. É muito importante um controle de zoonoses, segurança de trabalho e diversos outros aspectos que possam assegurar uma soltura com eficiência, respeitando as peculiaridades dos locais e das diferentes espécies.
O que impede as solturas é a quantidade de animais apreendidos, em que poucos chegam a centros de recuperação e manejo, onde há falta estrutura física e capacidade técnica humana. Infelizmente, o caminho que os animais são destinados não possibilita que todos os espécimes sejam soltos e o fim de suas vidas acaba em gaiolas e cativeiros.
Fauna News - Você afirma que a fauna ainda é valorizada como produto e não pelos serviços que presta aos ecossistemas. Poderia explicar?
Cobucci Neto - Com certeza, infelizmente essa é a realidade. Os animais são visados pelo valor econômico. Eles não estão sendo respeitados e valorizados pelo histórico de evolução de sua espécie, já que por milhões de anos a fauna vem se adaptando e evoluindo no meio natural. Os animais têm funcionalidades. Eles se relacionam dentro da própria espécie e com outras espécies e junto do meio abiótico. Esta é a vida deles. São dispersores de sementes, controladores biológicos, têm diversas relações, predam e são predados. Você retirar um animal da natureza é crime pela lei, mas aos serviços ecossistêmicos ninguém irá suprir a função que o animal faz na floresta ou no ambiente urbano. As aves dispersam sementes com seu comportamento natural, enquanto os homens precisariam trabalhar e usar maquinários para fazer isso, o que gera um custo financeiro.
De alguma forma a sociedade acaba arcando com os custos desta irresponsabilidade inconsequente. Alguém paga essa conta. Posso citar as zoonoses que são passadas entre animais e humanos no manejo inadequado, geram doenças gravíssimas aos humanos com um custo social, econômico e ambiental elevado, além de as gerações futuras correrem o risco de não terem a oportunidade de conhecerem a fauna silvestre em seus biomas.
Fauna News - Você aponta algumas soluções para o problema da destinação dos animais resgatados do tráfico e para o próprio tráfico no final de seu trabalho. O que vale ser destacado?
Cobucci Neto - O trabalho abordou algumas soluções. Dentre os aspectos citados a principal ferramenta seria o gerenciamento faunístico com base cientifica, desenvolvendo técnicas, mecanismos e serviços para diminuir o impacto e aumentar a eficiência de sobrevivência do animal, priorizando todas as fases que a fauna passa. Deve-se inserir a educação ambiental para valorizar o animal no hábitat. Nas apreensões deve haver mecanismos para serem identificados corretamente, melhorar a eficiência para causar menos dor e sofrimento ao animal, exames para ver suas condições físicas, priorizar a soltura nas áreas de ocorrências, e criar uma segurança no manejo dos animais para minimizar os riscos de contrair doenças (zoonoses) entre homens e animais. Depois que os animais forem destinados para gaiolas e cativeiros, o ideal é minimizar o impacto criando uma qualidade de vida mínima e priorizar veementemente os animais a serem tratados e soltos.
É fundamental apoiar as pessoas responsáveis em lutar pela conservação da fauna. No momento, há um processo de perda da biodiversidade nacional e global que resulta em mais animai nas listas de espécies ameaçadas de extinção.
Sou contra animais presos. A liberdade é primordial.
Conheça os trabalhos de Mario Cobucci Neto
Para quem tiver interesse em ler "Tráfico de Animais Silvestres: Um olhar sobre o Alto Vale do Itajaí" (UNIDAVI, 2007) e "Tráfico de Animais Silvestres: espécies apreendidas e destinações no Estado de São Paulo" (Esalq-USP, 2011), basta entrar em contato pelo e-mail mcneco45@gmail.com. Ele pode enviar um CD ou os arquivos digitais por e-mail.