O biólogo Raulff Lima ajudou a criar e a fundar, em 1999, a ONG Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) e, desde então, é seu Coordenador Executivo. Seu envolvimento em causas ambientais começou em 1992, motivado pela Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio 92. Com 17 anos filiou-se ao PV do Rio de Janeiro e participou da Assembléia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente (APEDEMA) daquele Estado, Em 1995 foi um dos fundadores da Sociedade Mata Viva, organização ambientalista do interior fluminense.
Em sua entrevista para o
Fauna News, Raulff Lima faz um balanço dos trabalhos da Renctas, expõe como deveria ser a política pública para a gestão da fauna e, principalmente, destaca que a população brasileira tem consciência ser errado manter animais silvestres como bichos de estimação, mas não conhece o risco que corre com as zoonoses.
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(...) quase 80% da população sabe que manter animais silvestres em cativeiro sem a permissão do órgão ambiental é crime e essa mesma porcentagem sabe que este hábito é errado.” - Raulff Lima
Boa leitura!
Fauna News -
Qual a atual situação do tráfico de animais silvestres no mundo e no Brasil?
Raulff Lima - Essa atividade ainda é muito forte, visto que todos os dias são publicados artigos na imprensa, tanto estrangeira quanto brasileira, sobre as apreensões. O grande fato relevante é que nos últimos 10 anos isso deixou de ser um crime velado, sem importância, e hoje possui, por exemplo, uma divisão da Interpol especializada em combatê-lo.
Enquanto houver demanda por parte da sociedade, esse mercado ilícito continuará a sobreviver. É como as drogas e as armas. A única diferença é que cocaína e AK-47 podem ser produzidos aos milhões, já araras, macacos, sapos, peixes ornamentais e insetos estão ficando mais escassos a cada dia, pois as florestas, que são seus ambientes naturais, estão desaparecendo juntamente com a biodiversidade.
Fauna News -
Entre os Estados brasileiros, quem se destaca como área de apanha e quem se destaca como área de "consumo"?
Raulff Lima - Os Estados fornecedores são clássicos e estão no Norte, Nordeste e Centro-oeste do país, pois são regiões que ainda possuem grande diversidade de espécies. Um fato importante que tem nos chamado a atenção é que muito dos animais encontrados no tráfico estão vindo de locais onde hoje estão ocorrendo os grandes projetos de desenvolvimento, tais como construção de barragens, rodovias e expansão das fronteiras agropastoris.
Nos parece lógico, pois nesses locais está ocorrendo grande parte dos desmatamentos. Os traficantes aproveitam dessa situação para realizar a captura nessas áreas e também porque já contam com certa estrutura para retirar os animais, que são enviados aos grandes centros urbanos nas regiões Sul e Sudeste.
Fauna News -
Existe uma política pública para combater o tráfico de animais? Se existe, qual a sua avaliação?
Raulff Lima - Infelizmente não existe uma política pública no Brasil para o combate ao tráfico. Existem sim ações dos órgãos de repressão à essa atividade. Temos acompanhado de perto a evolução dessas ações e percebemos que a Polícia Federal, através das DELEMAPHs (Delegacias Especializadas no Combate aos Crimes Ambientais e ao Patrimônio Histórico), tem se destacado nesse trabalho. As polícias florestais estaduais também têm feito um bom trabalho, apesar das limitações dos interesses dos governadores.
Já o Ibama, infelizmente, está totalmente apagado e com ações muito esporádicas e sem efeito. Reflexo possivelmente da falta de política pública e de um projeto para a gestão da fauna por parte do Ministério do Meio Ambiente.
Fauna News -
Como deveria ser estruturado o combate ao tráfico de animais?
Raulff Lima - Começando pela criação de uma política pública para gestão da fauna como um todo. Não se pode discutir combate ao tráfico se não pensar em todas as vertentes. Tal trabalho passaria por campanhas de conscientização e sensibilização da sociedade, principalmente nas escolas (o que deveria ser objeto de cooperação entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Educação), e a criação de uma legislação específica para diferenciar o cidadão que ainda possui a fauna silvestre como animal de estimação do grande traficante ou do traficante internacional, pois esses sim são danosos para a manutenção da biodiversidade (aqui entraria um trabalho no Congresso Nacional).
Também deve ser exigida uma seriedade ambiental por parte das empresas que exploram os recursos ambientais, onde a fauna seja realmente contemplada e não sejam realizados trabalhos de resgate de animais fictícios ou pirotécnicos. Tudo com fiscalização pesada do Ibama, sem intervenções políticas.
Tem de ser realizado o controle dos criadouros comerciais e conservacionistas, com regras claras e treinamentos específicos tanto para os proprietários como também para os técnicos do Ibama nos Estados, de forma que todos possam conversar na mesma língua. Também devem ser criadas normativas objetivas, sem erros de interpretação, trabalho esse a ser desempenhado pelo Ibama e pelo Ministério do Meio Ambiente.
Maior controle nos aeroportos tanto para a saída quanto para a entrada da fauna, com a participação da Polícia Federal e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, a partir de um plano estratégico desenvolvido em parceria entre o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Justiça, o Ministério da Saúde e o Ministério da Agricultura. Melhor estrutura para as polícias florestais nos Estados e para os Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas).
Além é claro de incentivos científicos para os estudos de conservação, manejo e reintrodução da fauna apreendida. Desta forma podemos sim falar que temos uma política pública para gestão da fauna neste país. Do contrário, é só showzinho barato e pirotecnia de terceira.
Fauna News -
A Renctas, por meio do 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre, de 2001, estimou que 38 milhões de animais são retirados da natureza por ano no Brasil para abastecer o mercado do tráfico e do comércio de partes de animais. Esse quadro, com esse número, ainda persiste? Há dados mais atualizados?
Raulff Lima - O objetivo do relatório foi chamar a atenção do Ministério do Meio Ambiente, da mídia, da sociedade e da classe política para a realidade do tráfico. Na época os dados se concentraram apenas nas classes de aves, mamíferos e répteis. Dessa forma, peixes ornamentais, anfíbios e insetos ficaram de fora do estudo, até porque os órgãos ambientais consultados não possuíam estes dados.
Nós sabíamos que o número de 38 milhões era muito aquém da realidade, mas era o número que poderíamos sustentar e justificar. O mais importante é que o objetivo foi alcançado, pois conseguimos convencer as pessoas que o tráfico de animais era muito maior do que se pensava e movimentava o equivalente a 1% do PIB nacional, além de contribuir com a perda da nossa biodiversidade para a biopirataria.
Estamos estudando um novo relatório, mas não com o foco em números, em se aumentou ou diminuiu. Não queremos cair na mesmice dos relatórios sobre a Mata Atlântica, o Cerrado e a Amazônia, que todos os anos só informam que os biomas diminuem. Isto é trabalho dos órgãos públicos.
A nossa intenção com esse próximo trabalho é associar o tráfico de animais com a disseminação de doenças, as conhecidas zoonoses. Um estudo do Ministério da Saúde apontou que a rota da febre amarela no país é exatamente a mesma utilizada pelo tráfico, de forma que podemos concluir que o transporte clandestino de animais está contribuindo com a proliferação desta doença.
Fauna News -
Qual a sua visão para o futuro sobre o tráfico de animais?
Raulff Lima - Estamos trabalhando para erradicar este hábito cultural do brasileiro e estamos conseguindo, pois em 2005 fizemos uma pesquisa com o Ibope e esse trabalho nos mostrou que quase 80% da população sabe que manter animais silvestres em cativeiro sem a permissão do órgão ambiental é crime e essa mesma porcentagem sabe que este hábito é errado.
É importante que nessa mesma mão, a conservação dos ambientes naturais seja uma prioridade, pois em pouco tempo a fauna, além de ter a sua liberdade roubada, também não terá mais casa para voltar.
Fauna News -
Como é o trabalho da Renctas? Como é possível ajudar?
Raulff Lima - Trabalhamos em quatro frentes: informação e educação ambiental, apoio à conservação e manejo da fauna, treinamento e capacitação de agentes ambientais e apoio a criação de políticas públicas.
O cidadão pode ajudar o nosso trabalho, primeiramente não comprando animais silvestres de origem ilegal, denunciando casos de comércio ilegal e divulgando o nosso trabalho, que pode ser conhecido pelo
website www.renctas.org.br . Como nenhuma das atividades educativas da Renctas é cobrada, a doação ou a aquisição de nossos produtos são bem-vindas.