O Sistema Urubu é mais uma ferramenta para tentar reduzir o impressionante número de animais silvestres atropelados todos os anos nas estradas e rodovias do Brasil: 475 milhões, de acordo com o coordenador do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), Alex Bager. O banco de dados formado pelo seu uso pretende ajudar na elaboração de políticas públicas, gestão da malha rodoviária e em pesquisas científicas.
“Em breve, qualquer pessoa com um smartphone na mão poderá ajudar a monitorar os atropelamentos de espécies nativas no Brasil. O sistema batizado de Urubu Mobile, ou Sistema Urubu, foi idealizado pelo biólogo Alex Bager, da Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais. Trata-se de um aplicativo para celulares e tablets com Android. O Urubu Mobile pode ajudar a registrar os casos de mortes de animais nas estradas. Além de marcar o evento triste, ele serve de referência quando for planejada a expansão ou construção de estradas. Com isso, é possível tomar cuidados para evitar que mais animais sejam vítimas dos carros e caminhões. O desenvolvimento do programa é financiado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Bager explica os benefícios do aplicativo na entrevista a seguir.
ÉPOCA: Em que estágio está o Urubu Mobile? Já existe?
Bager: Faz uns 6 meses que prometo o lançamento do Urubu Mobile e sempre surge um problema técnico que me faz segurar. Entretanto hoje pela manhã (terça, dia 25 de fevereiro) fui informado que o sistema está pronto. Se realmente estiver tudo ok vamos lança após o carnaval.
ÉPOCA: Qualquer pessoa pode baixar no celular e usar?
Bager: Sim, qualquer pessoa que possua um smartphone ou tablet com Android poderá baixar o aplicativo. É preciso ter câmera e GPS no aparelho. Pretendemos no futuro lançar para iPhone mas ainda não tivemos recursos para isso. Outro ponto importante é entender que teremos duas versões. Essa que está pronta é a aberta. Além dela, planejamos outra versão para pesquisa, com um banco de dados interno maior e várias fotos.
ÉPOCA: Como o programa funciona?
Bager: A idéia é muito simples. A pessoa se cadastra no Urubu Web (sistema de gestão de dados) e baixa o aplicativo. Quando encontra um animal atropelado, registra a foto e automaticamente sabemos a data e a posição geográfica. A pessoa pode enviar no mesmo instante ou aguardar para enviar quando tiver wi-fi disponível. O que diferencia nosso sistema de todos os outros existentes no mundo é a validação dos dados. Nenhum dado será incluso no banco sem que seja validado por consultores ad hoc. Todas as fotos que chegarem serão pré-analisadas e submetidas para os validadores. Criamos que exigem o consenso de três validadores. Aí os dados voltam para os gestores que decidem pela liberação ou não.
Numa versão futura pretendemos que as pessoas acumulem pontos, parecido com o Waze (espécie de rede social onde as pessoas dão dicas de trânsito). Quanto mais fotos você mandar, mais pontos ganha e sobe de nível. Existem cinco urubus no Brasil, do urubu preto ao urubu rei.
Tamanduá-bandeira atropelado: 475 milhões de animais
morrem nas estradas brasileiras
Foto: Jornal de Uberaba
ÉPOCA: O monitoramento só funciona em unidades de conservação ou em qualquer área natural?
Bager: O projeto piloto foi concebido para unidades de conservação porque assim temos pessoal em campo coletando dados sem custo. E ainda poderemos emitir um relatório final para os parceiros tomarem decisões informadas. Entretanto a proposta é totalmente aberta e na verdade pretendemos investir pesado em envolver outros segmentos, como empresas de logística ou concessionárias de rodovias.
ÉPOCA: Para que serve o banco de dados de atropelamento?
Bager: O objetivo principal é planejamento, gestão e desenvolvimento de políticas públicas. Também pode ser usado para pesquisa científica. Estamos propondo que o banco de dados seja adotado por diferentes segmentos da sociedade, como a transportadora Valec ou órgãos como o Ibama. Esses dados ajudariam no licenciamento ambiental de rodovias e ferrovias.
ÉPOCA: Como o registro de atropelamentos pode ajudar a reduzir as mortes de animais nas estradas?
Bager: Imagina o seguinte: existe uma rodovia de pista simples e o governo pretende duplicar. Hoje um analista pede estudos de todas as classes de vertebrados e em toda a extensão da rodovia. Mas esse dado não existe ou está perdido num relatório em alguma gaveta. Nós podemos fornecer um relatório detalhado de todas as espécies afetadas na região, áreas com maior intensidade de atropelamento, em alguns casos poderemos dispor de dados de sazonalidade. Também estamos ampliando os campos de coleta de informação no aplicativo para sabermos quando forem realizadas amostragens de material biológico, para análises genéticas e conteúdos estomacais. Pretendemos facilitar a troca de informações entre pesquisadores e assim permitir que estudos de genética, dietas ou, parasitas em todo o Brasil.
ÉPOCA: Quais são as estatísticas mais importantes do banco de dados? O que deu para descobrir com ele?
Bager: O banco ainda está em desenvolvimento e os dados lá disponíveis não foram trabalhados em sua totalidade. O que temos certeza é que nem a comunidade científica e muito menos o poder público tem noção da perda de biodiversidade que está ocorrendo diariamente nas rodovias e ferrovias brasileiras.
ÉPOCA: O que é possível fazer para reduzir a incidência de atropelamentos? Há técnicas para travessia dos animais? Há formas de cercar as estradas? Há formas de orientar os motoristas?
Bager: O atropelamento é apenas um dos problemas inerentes da presença de rodovias e ferrovias. Existem espécies que tem medo e se mantém afastadas da rodovia. Isso provoca uma redução do habitat potencial. Outras não conseguem atravessar e sofrem com a fragmentação. Sem falar em poluição química ou sonora. Há várias soluções locais para reduzir os atropelamentos. São redutores de velocidade, passagens de fauna sob a rodovia ou viadutos com vegetação.”
- Leia a matéria no Blog do Planeta do site da revista Época
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